Cristiano Silva relata o que aconteceu durante sua prisão em Catalão

O juiz eleitoral da 8ª Zona Eleitoral de Catalão, André Luiz Novaes Miguel, pessoalmente entrou no Campus da Universidade Federal de Goiás (UFG) de Catalão, por volta das 21h30, na quarta-feira, 19, e deu ordem de prisão ao escritor Cristiano Silva que autografava exemplares do se livro “Operação Ouro Negro”.

Atendendo a uma representação do PMDB local, que alega que o material foi escrito tendo como base provas que teriam sido anuladas pela Justiça, o magistrado promoveu uma série de atos “inusitados” e saiu do local sob forte vaia dos estudantes, que classificaram a ação como arbitrária. No momento da prisão, um carro da Secretaria da Saúde da Prefeitura de Catalão foi visto e fotografado no local.

Cristiano, cinegrafistas e fotógrafos só foram liberados por volta de 1h30 do dia seguinte.

  Veja aqui o relato do escritor como tudo aconteceu.

Pensei e depois de manifestações de carinhos nas redes sociais vou contar tudo o que ocorreu ontem no campus da UFG em Catalão.

Quando fui ao Campus da UFG de Catalão para doar exemplares do livro Operação Ouro Negro – a história do roubo de R$ 10 milhões na prefeitura de Catalão no mandato de Adib Elias, vários estudantes e professores me abordaram para autografar os livros. Conversávamos sobre o momento histórico que o país vive, eles queriam saber minha opinião sobre o processo de limpeza na política, como cada um de nós pode agir para arrancar os corruptos do poder. Neste momento chegou o juiz André Luiz Novais Miguel acompanhado de duas viaturas e quase dez homens armados da polícia. A ação foi assustadora, os livros já autografados foram arrancados das mãos dos estudantes. Os outros que doei a biblioteca da UFG foram presos. Quis saber qual o meu crime? O juiz se limitou a fazer sinal com o dedo para que eu ficasse quieto, caso contrario sairia algemado dali.
Vi o temor nos olhos daqueles estudantes, algumas moças comiam as unhas; temor parecido com aquele que minha geração estudou nos livros de história sobre a ditadura militar. Creio que eles se assustaram por causa das armas. O ato do senhor juiz feriu a liberdade de pensar e debater, logo dentro de uma universidade publica. Minha primeira atitude foi remexer os 38 livros que eles prenderam para ver os nomes das pessoas que foram prejudicadas, pois o livro foi brutalmente tirado de suas mãos. O senhor juiz ordenou que eu ficasse quieto e balbuciou que sou muito atrevidinho. Atrevidinho? Então escrever um livro que denuncia a corrupção é atrevimento? Um rapaz se aproximou e perguntou: “De que lado este juiz está?” Limitei a dizer que não consigo crer que nossos magistrados se permitam transmutar em moeda de barganha nos bolsos de corruptos. E é verdade. Não consigo. Estamos acompanhando o momento histórico com o caso do mensalão.
O juiz não gostou da conversa e ordenou: “o escritor vai junto com os livros.” Novamente questionei: “preciso saber a razão disso tudo. O livro está proscrito por quê?” Fiquei contente ao ver que não estava só, vozes de protestos dos estudantes ecoavam na biblioteca: “Ditadura! Censura! Mordaça!” De minha parte respondi ao meritíssimo: “só vou a delegacia acompanhado de meu advogado”. Ele retrucou: “você vai agora, e se desobedecer lhe prendo por desacato a autoridade”. Quando chegamos ao estacionamento da UFG meu advogado, Geordano Paraguasú, já nos esperava. A imprensa logo chegou. O juiz, perdido, não conseguia explicar o porquê da invasão ao campus da UFG e com policiais fortemente armados, não sabia explicar por que prendeu e censurou o livro, por que arrancou os livros das mãos das pessoas. O repórter esticou o microfone e disparou: “o que aconteceu Cristiano?” O juiz chegou ao meu lado e não gostou quando respondi: “os meus livros foram presos, o senhor juiz quer que eu o acompanhe até a delegacia, disse que só iria acompanhado de meu advogado, ele disse que se não o acompanhasse daria voz de prisão”. O juiz ficou furioso e começou a gritar na frente da câmera dizendo que era mentira minha. Nisso alguém falou: “é verdade, a moça ali gravou tudo com o celular”. Ele exigiu que eu mostrasse a gravação e eu disse que não, não sou obrigado a entregar a prova de minha inocência para o senhor destruir”. Ele estava louco de raiva. Gritou: “todo mundo para a delegacia”.
Ao sair me despedi do professor de Geografia, Laurindo, apertei sua mão e falei: “professor, o senhor acaba de entrar para a história. Esta é uma raríssima demonstração de abuso de poder, os militares invadiram o campus de uma universidade por causa de um livro”. Gritos e aplausos dos estudantes, decididos a lutar pela democracia e liberdade de imprensa demonstraram ao juiz que ele cometer a um grave erro. Mas o senhor André não vacilou.
Chegamos a delegacia, havia um traficante prestando depoimento. Na porta um caminhão baú do IML, pessoas assassinadas, o criminoso detido. Cada um com um crime nas costas. O meu crime: escritor, jornalismo investigativo. A essa altura carros com adesivos do senhor Adib Elias passavam na porta da delegacia soltando foguetes. A imprensa chegou e o juiz mandou prender todos os equipamentos: câmeras de filmagens e fotografias. Seu auxiliar começou a mexer na câmera de filmagem para apagar as cenas feitas na UFG. Um cordão de polícias barrava os cinegrafistas lá fora, preocupados com seus equipamentos. Azar do juiz. A essa altura os cartões com as imagens da UFG estavam em segurança rumo a Goiânia.
Depois de duas horas o juiz mandou lavrar uma ata contra minha pessoa por desacato a autoridade. Mandou prender os livros e me chamou lá no fundo da delegacia. Estavam presentes o delegado de plantão, meu advogado e eu. O juiz me olhou e começou: “prendi o livro por que as escutas foram colocadas como não válidas, você sabia que é proibido escrever matérias em jornais, TV ou rádio e ainda mais um livro com provas não validas?” Minha resposta: “meritíssimo, a denuncia é do Ministério Público, sou apenas jornalista.” Me retratei pelos ânimos exaltados e ele continuou: “ em off, todos nós sabemos que eles roubaram lá na prefeitura, coisa e tal, mas pra quê ficar lembrando, ainda por cima com essas escutas que perderam o valor e em época de campanha. E se isso prejudicar o candidato Adib Elias?” Tentei raciocinar: “É e cada grampo é mais violento que o outro. É um absurdo prevalecer uma brecha na lei, é um absurdo tentar preservar um corrupto, né senhor juiz”. Ele, por sua vez, não gostou e continuou: “olha aqui, o melhor é você ir embora agora, vou providenciar uma escolta para você até Goiânia”. Na hora retruquei: “negativo, tenho o direito como cidadão de ir e vir. Não admito ser expulso com escolta me levando para os limites de Catalão”. Ele falou: “Você sabia que está correndo risco de vida? Mataram o Celso Daniel por menos”. Comuniquei ao senhor juiz que sou jornalista e tenho liberdade de imprensa e não sou pautado pelo coldre do revolver de coronéis. Imediatamente ele abrandou e começou a querer se preocupar com minha segurança e garantir escolta de PMS sem fardas. Não, mil vezes não. Prefiro correr o risco.
Ao deixar a delegacia o juiz pensou e disse: eu sei que você vai usar as gravações contra mim. Seria melhor se tivesse apagado elas e entrado num acordo. Já apagamos muitas imagens de denuncias de cestas básicas com os seus colegas jornalistas. Para manter a paz as vezes é melhor não divulgar o que as pessoas não precisam saber”, saiu e entrou no carro.
Hora de prestar meu depoimento: comecei a narrar o fato. No final o escrivão cunhou: “bem, aí vou escrever que você se arrependeu por ter desacatado o juiz, ok? Fui franco: “Não. Não falei isso e não admito que coloquem palavras na minha boca. Vou comparecer no dia 31 de outubro a Catalão, data da audiência e do meu aniversário, para defender com provas que não houve desacato. Vou pedir indenização por danos morais, e por censura. O senhor não tem a minha autorização para escrever que estou arrependido e que me acovardei. Ele me olhou assustado e me liberou.
Ao sair da delegacia vi uma multidão de curiosos que estava presente devido a movimentação de tantas viaturas, de tanta polícia, imprensa coisa e tal, como se ali estivesse o próprio Al Capone, ou o corrupto que deveria ser preso. Fui aplaudido por todos e me emocionei. As pessoas sabem que é tudo verdade.

Cristiano Silva.

 

 

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  1. Vi o temor nos olhos daqueles estudantes, algumas moças comiam as unhas; temor parecido com aquele que minha geração estudou nos livros de história sobre a ditadura militar. Creio que eles se assustaram por causa das armas. O ato do senhor juiz feriu a liberdade de pensar e debater, logo dentro de uma universidade publica. Minha primeira atitude foi remexer os 38 livros que eles prenderam para ver os nomes das pessoas que foram prejudicadas, pois o livro foi brutalmente tirado de suas mãos. O senhor juiz ordenou que eu ficasse quieto e balbuciou que sou muito atrevidinho. Atrevidinho? Então escrever um livro que denuncia a corrupção é atrevimento? Um rapaz se aproximou e perguntou: “De que lado este juiz está?” Limitei a dizer que não consigo crer que nossos magistrados se permitam transmutar em moeda de barganha nos bolsos de corruptos. E é verdade. Não consigo. Estamos acompanhando o momento histórico com o caso do mensalão.

  2. Cade a imprensa que não divulga, não comenta, só consegui saber dessa monstruosa aberração, porque sem querer meu dedo bateu em uma tecla do computador e meus olhos bateram na manchete atiçando minha curiosidade. Cade o sindicato dos jornalista, Associação disso e daquilo. Que vergonha Sr. Juiz, voce não é funcionário do corrupto do Adib Elias, não, respeite o juramento que voce pronunciou na sua formatura, ou na sua posse como magistrado. Cristiano vá em frente, vá na parte da imprensa nacional que tem coragem e divulgue, não deixe passar em branco. Esse evento só prova que o ditado popular “cada juiz tem seu preço” é a mais pura verdade.

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