Globo rompe silêncio e diz que “maldades” do Clube dos 13 levaram a rompimento

Assunto do ano, até o momento, no meio esportivo, a negociação dos direitos de transmissão do Brasileiro 2012 levou ao rompimento de uma relação histórica entre o Clube dos 13 e a Rede Globo. Insatisfeita com os termos da carta-convite que convidava todas as emissoras a participarem de uma licitação, a emissora carioca pulou fora e passou a negociar individualmente com os clubes.
O movimento da Globo, como se sabe, implodiu a licitação. A emissora já assinou contratos individuais com 15 dos 18 clubes que pertencem à entidade e espera assinar até o final de maio com os três restantes (São Paulo, Atlético-MG e Atlético-PR).
Ao longo de todo o processo, a Rede Globo se manifestou apenas uma vez, por meio de uma nota em que justificava a sua desistência de participar da licitação. Na última sexta-feira, pela primeira vez, o diretor-geral da emissora, Octavio Florisbal, falou sobre o assunto.
Numa longa entrevista ao UOL Esporte, detalhou o processo que levou ao rompimento, apresentou as razões da Globo e disse ter se surpreendido com a postura do Clube dos 13. Na visão da emissora, a entidade planejava diminuir o espaço das TVs abertas “para vender mais pay-per-view”. E, ao estabelecer um valor-mínimo de R$ 500 milhões pelos direitos, segundo Florisbal, o Clube dos 13 “provavelmente” contava com o apoio da Rede Record.
Ao descrever as restrições e imposições feitas pelo Clube dos 13, Florisbal fala em “maldades” da entidade. E volta a afirmar que nenhuma emissora cujo modelo de negócios se baseie exclusivamente em audiência e publicidade teria condições de aceitar as condições propostas.
Na Globo desde 1982, Florisbal foi diretor de marketing e superintendente comercial até assumir, em 2002, a direção-geral da emissora em substituição a Marluce Dias. Paulistano, 71 anos, mora há décadas no Rio de Janeiro, mas mantém um escritório na sede da emissora em São Paulo, onde recebeu o UOL na última sexta-feira (06). Abaixo, trechos da entrevista:

PRINCIPAIS TRECHOS

Calendário deve ser mantido

Tem gente que diz que devíamos seguir o modelo europeu. A posição da Globo é que não. Você tem que acompanhar a vida. Se o verão é em janeiro, fevereiro e março é uma coisa. O calendário europeu é diferente porque o verão cai em julho, agosto, setembro.

TV tem direito a três jogos por semana

De cada dez jogos da rodada, a TV aberta tem direito a três. Reclamam que a gente não passa determinado jogo. Mas a gente só tem direito a três jogos. Um a gente faz para São Paulo, outro para o Rio e o terceiro a gente faz rodízio.

C13 quer modelo europeu

Isso não é dito abertamente pelo Clube dos 13, mas entendemos. “Nós precisamos acelerar a nossa passagem para o modelo europeu para ganhar mais dinheiro com o pay-per-view.”

Pedido do C13 é inviável

O Clube dos 13 disse: “A oferta mínima é de R$ 500 milhões”. Porque alguém disse pra eles que ia oferecer R$ 700 milhões. Mas se o camarada vivesse só de publicidade, de jeito nenhum poderia oferecer esse valor. A concorrência sinalizou que iria oferecer R$ 750 milhões. Quem vive só de publicidade, sabe: este campeonato aqui, com as audiências da Globo, dá para pagar R$ 250 mi

Público de jogos noturnos é bom

“Não nos parece que seja um grande sacrifício porque a quantidade de torcedores que vai a jogos às 21h50 é o mesmo que vai domingo às 16h.”

HISTÓRICO
Começamos a ter projetos de futebol há uns 20 anos. Estruturamos o futebol na nossa grade, às quartas e domingos. Fizemos parceria com a CBF, com o Clube 13, com as federações estaduais. Consideramos o futebol estratégico para a nossa grade, porque ele é popular. O cara muda de país, muda de mulher, mas não muda de clube.
CALENDÁRIO: BRASIL vs EUROPA
Hoje temos um calendário nacional. Os estaduais, Copa do Brasil junto com Libertadores. Aí tem o Brasileiro, Série A e B, Copa Sul-Americana, o Mundial de Clubes. Tem gente que diz que devíamos seguir o modelo europeu. A posição da Globo é que não. Você tem que acompanhar a vida. Se o verão é em janeiro, fevereiro e março é uma coisa. O calendário europeu é diferente porque o verão cai em julho, agosto, setembro.
TRÊS JOGOS POR SEMANA
Nós temos uma parceria, ou tínhamos, lamentavelmente, com o Clube dos 13 de muitos anos. Nós conseguimos ao longo do tempo, com muito sacrifício, montar uma grade de futebol que, acho, não tem em nenhum outro país. Vamos pegar o Brasileiro. De cada dez jogos da rodada, a TV aberta tem direito a três jogos. Reclamam que a gente não passa determinada jogo. Mas a gente só tem direito a três jogos. Um a gente faz para São Paulo, outro para o Rio e o terceiro a gente faz rodízio – uma semana para Porto Alegre, uma semana para Belo Horizonte, outra semana para Curitiba… A TV paga, o SporTV, faz dois jogos, em outros dias. E o pay-per-view faz os dez jogos.
Este modelo tem se mostrado interessante porque dá ao Clube dos 13 e aos clubes uma receita de TV aberta, fechada e pay-per-view. Na Europa, basicamente, eles só fazem com pay-per-view. Na Espanha, por lei, tem que ter um jogo na TV aberta, aos sábados, às 10 da noite.
Nós, TV Globo, gostaríamos de passar seis jogos por rodada: um jogo para São Paulo, um pro Rio, uma pra Minas, um pro Rio Grande do Sul, um pro Paraná, um para o Nordeste. Por quê? Porque ia atrair muito mais audiência. O camarada em Salvador, se o time dele não está jogando, ele precisa gostar muito de futebol para ver um jogo que não é do time dele. Para nós seria muito mais interessante, mas tem um problema econômico. Iria prejudicar o pay-per-view. O dinheiro que a TV aberta teria que pagar seria um absurdo.
A “MENSAGEM” DO CLUBE DOS 13
Isso não é dito abertamente pelo Clube dos 13, mas entendemos. “Nós precisamos acelerar a nossa passagem para o modelo europeu para ganhar mais dinheiro com o pay-per-view.” Tem crescido muito aqui. Saiu de 100 mil, 200 mil, há sete anos, para 1 milhão de assinantes. “Vamos acelerar isso aí para virar 2 milhões, 3 milhões, 4 milhões”. Só que, ao pensar assim, eles tiveram que diminuir a presença da TV aberta. Foi a proposta que não podíamos concordar.
AS RESTRIÇÕES
Eles queriam diminuir de três para dois jogos por rodada. Ia ser complicado. Nós íamos fazer um jogo para São Paulo e um para o Rio. Os gaúchos e mineiros nunca mais iam ver um jogo do time deles.
Depois, eles diziam: o jogo que você transmitir daquela praça para outra, naquele Estado você não pode transmitir mais em TV aberta. Ou seja, aqui em São Paulo vai ter um jogo entre Corinthians e Botafogo que vamos transmitir para o Estado do Rio. No modelo atual, você não pode passar esse jogo na cidade de São Paulo, mas pode mostrar em todo o resto do Estado. O Clube dos 13, agora, disse: esse jogo Corinthians e Botafogo não vai amais poder passar no Estado de São Paulo, só no Rio. Para vender mais pay-per-view.
E mais. Do total de 380 jogos do Brasileiro, nós transmitimos pela TV aberta uns 70 e poucos. E tínhamos direito a transmitir dez jogos para a praça. Está no contrato. Você guarda para clássicos regionais e vai deixando para usar no final do campeonato, para os jogos decisivos. Aí eles falaram: “Não tem mais jogo para a praça. Nunca mais. A não ser que vocês paguem uma puta grana”.
Outra coisa. Nós captamos os jogos. Uma boa qualidade, 30 câmeras… “Vocês não vão mais captar. Nós é que vamos captar e vender para vocês”. Tudo isso está na carta-convite da licitação. Ah, mais, outra maldade: nós compramos os direitos e sublicenciamos para a Band. Acertamos um valor que seja palatável para ela pagar, porque a receita e a audiência dela são menores. Aí disseram que a gente, se quisesse passar para a Band, teria que cobrar um valor mínimo, X milhões, mais alto do que a Band pagava para nós. E, segundo, desse valor, 50% a gente teria que pagar para o Clube dos 13. Ou seja, ele vendia aquele direito duas vezes.

O ROMPIMENTO
Foi ficando de um jeito tão desproporcional. Se a gente aceitasse isso para o Brasileiro teria que aceitar, depois de amanhã, para a Copa do Brasil, para a Libertadores, para a seleção brasileira. Todo mundo vai querer… Neste modelo, iria dar muito menos audiência, nossos patrocinadores não iriam querer pagar o que pagam para a gente. Iria aumentar muito o nosso custo e teríamos um grande buraco. Então, pensamos: é melhor correr o risco de não ter o Brasileiro. Temos vários outros torneios, dá para fazer um pacote. É claro que o Brasileiro é o filet-mignon, mas…
Houve uma visão, desta comissão (que elaborou a carta-convite para a licitação) de que deveria tornar as coisas mais difíceis. Por duas questões. Uma, para aumentar a receita com pay-per-view. A outra, provavelmente, porque a Record, que tem interesses, talvez tenha dito: “Eu topo”.
Aí avisamos: não vamos concorrer, mas se os clubes quiserem negociar individualmente… Por que saímos? Saímos porque o formato ficou absolutamente inaceitável.
A MENSAGEM DA GLOBO
No anúncio oficial da saída, está dito: “As condições impostas na carta-convite não se coadunam com nossos formatos de conteúdo e de comercialização, que se baseiam exclusivamente em audiência e na receita publicitária”
É uma mensagem subliminar. No nosso caso, não sei em outros casos, é assim.Precisamos ter audiência para ter verba de publicidade. Pode ser que para outras redes isso não seja absolutamente verdadeiro. Podem ter outras fontes de receita. Mas no nosso caso, é só isso. Naquele nosso modelo de futebol, temos que ter audiência no Brasil inteiro para que nossos patrocinadores, que estão conosco há tantos anos, se sintam dispostos a pagar a cota que cobramos.
PEDIDO INVIÁVEL
Nossos patrocinadores estão pagando, em 2011, por uma cota de futebol, pegando todos os campeonatos, o que dá umas 100 partidas, quase R$ 140 milhões brutos. Precisamos ter audiência para ter essas cotas. Elas, hoje, basicamente, cobrem os nossos custos. Dá para calcular, sabendo o valor desta cota, quanto representam os Estaduais, a Libertadores, o Brasileiro. Você pode atribuir deste dinheiro, quanto é para cada um.
No caso do Brasileiro, hoje, a receita que nós temos liquida é quanto nós pagamos de direitos. E a pedida que veio do Clube dos 13, de R$ 500 milhões, é exatamente o dobro. Daí, você infere que a nossa receita é de R$ 250 milhões, líquida. Os nossos anunciantes sobem, de um ano para outro, 10%, 15%. Eles jamais aceitariam dobrar o preço.
O que nós temos de receita líquida, sem os custos de produção, cobre exatamente o que pagamos de direitos. O Clube dos 13 disse: “A oferta mínima é de R$ 500 milhões”. Porque alguém disse pra eles que ia oferecer R$ 700 milhões. Mas se o camarada vivesse só de publicidade, de jeito nenhum poderia oferecer esse valor. A concorrência sinalizou que iria oferecer R$ 750 milhões. Quem vive só de publicidade, sabe: este campeonato aqui, com as audiências da Globo, dá para pagar R$ 250 milhões, fora o custo de produção. Não dá para pagar R$ 500 milhões. Nem R$ 700 milhões. A menos que eu tenha outras fontes de receita. No nosso caso, não dava.
ALUGUEL DE HORÁRIOS
A TV aberta, conceitualmente, pela Constituição, pelos decretos de radiodifusão, deve viver única e exclusivamente de receita de publicidade. Se ela tem outras receitas, porque ela subaluga horários, isso me parece que infringe a lei. Se ela tem outras receitas, vindas de outras fontes, também. Aí cabe aos órgãos pertinentes de governo avaliar e decidir. Nós seguimos estritamente o que está na Constituição e nos decretos de radiodifusão. Nossa única receita de TV aberta é a publicidade – de várias formas. Não subalugamos horários, não temos receitas de outras áreas que vem para dentro da TV Globo. Já recebemos ene ofertas para alugar nossos horários da madrugada, a preços generosos, mas como isso, no nosso entender, fere a lei, a gente não faz.
JOGO NOTURNO
Pega o Brasileiro. São 380 jogos. Jogos de TV aberta acontecem às 16h de domingo e às 21h50 de quarta-feira. Jogos da TV paga acontecem às 18h30, às 20h30. Do total de jogos transmitidos, os das 21h50 são 23. É 7%. No meio da semana, no Brasileiro, são oito rodadas. É o mínimo.
Quando você vai olhar a bilheteria dos jogos, dá mais ou menos igual, a média, em todos os horários. Se fosse verdade (que o horário é ruim), esse jogo das 21h50 tinha que dar muito menos. E não dá. No mundo todo é assim.
Quem compra os direitos, tem que adequar a sua grade. Por que não transmitimos mais cedo? Porque temos um horário fixo para o “Jornal Nacional”, às 20h30, tem a novela às 21h. É uma acomodação. Neste dia, o jornal é menor, a novela é menor. Não tem outra saída. Como é que vamos fazer? Pelo dinheiro que nós pagamos… Agora, isso é a menor parte. Não nos parece que seja um grande sacrifício porque a quantidade de torcedores que vai a jogos às 21h50 é o mesmo que vai domingo às 16h.
OS CLUBES QUE AINDA NÃO FECHARAM
Como é que estão as negociações? Foram feitas individualmente, clube a clube. Vários clubes retiraram do Clube dos 13 a procuração que tinham dado para negociar e negociaram com a gente. Outros não retiraram, só retiraram agora. Tanto que essa negociação vem se estendendo há quatro meses, desde o final do ano passado, início deste. Hoje nós temos 15 clubes com contratos assinados. Ficaram faltando três clubes, São Paulo, Atlético-MG e Atlético-PR, que agora estão negociando conosco. Imaginamos que ao longo do mês de maio a gente conclua essas negociações.
O FUTURO DO CLUBE DOS 13
Tem uma outra questão, que não nos compete. Como os clubes tiraram a procuração do Clube dos 13 para negociar individualmente, eles agora têm que se reunir no Clube dos 13 para acertar a situação lá. Tem clubes com receita a receber, clubes com dívidas a pagar, tem que fechar uma conta lá e decidir o que eles pretendem fazer com o Clube dos 13. “Queremos manter o Clube dos 13, queremos manter a atual diretoria, queremos trocar a diretoria? Ou queremos terminar o Brasileiro deste ano e pensar numa Liga?” Não sei. Os clubes é que têm que decidir.
Fonte – Uol

 

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